Sunday, September 18, 2011

ode ao carro antigo ou tenha dó dos carros modernos que jamais o serão


num mundo onde a estúpida standartização do design dito diferenciado( escultura fluida é o cacete!, design revolucionador,até hoje, tinham os carros dos anos 30 aos 50) e de motores que se agigantam em sua pequenez, mata-se cada vez mais o prazer, quase tão bom como sexo, de dirigir – carro elétrico então, é como feijoada de tofu: pode fazer bem as coronárias e a natureza. mas e a intensidade da vida se abastece mesmo de quê ? .

por estas e outras publicamos o texto abaixo do flávio gomes. deixar-se guiar pelo texto do flávio é percorrer em “prize” o flash-back calcado em milhares de quilomêtros in memorian ou à vera dos carros antigos que tive e novamente pulsar a sensação ao ver o primeiro jipe willys apontando na esquina rumo a garagem da minha casa e que até hoje se repete como se a primeira fosse igual a última e vice-versa

embarque nesta viagem, sem meia embreagem, por favor, e resmungue a vontade se não tiver um carro antigo. pois o seu carro novo jamais senhores, jamais, será como os carros antigos de hoje para imensa pena da sua memória que deles se apagará irremediavelmente como os leds que o habitam hoje em dia.

mas vamos ao texto do flávio que é o que interessa

“ não queira ter uma relação com seu carrão cheio de botões,reboque,cromada para não puxar nada, flex powers, trios elétricos, fly by wire, e abs igual à que eu tenho com os meus. você vai perder.meus carros tem nome, eu converso com eles e entendo o que se passa no seu coração. ninguém olha para você nesse esquife filmado com vidros escuros como breu; para mim, todos olham e acenam.

se o seu carrão pifar no meio da rua, ou numa estrada no fim do mundo, ninguém vai parar para te ajudar. e se alguém se aproximar, você vai achar que é ladrão. se um dos meus estancar no meio da avenida mais movimentada de são paulo, vem um monte de gente para empurrar. e é o pai de um que teve um igual ao meu, o tio do outro que dirigia um taxi idêntico, a avó de um terceiro que ainda tem o seu guardado na garagem que só usa para ir a feira, e se eu não souber o que fazer para ele pegar de novo, alguém saberá.

meu kit de sobrevivência nas ruas é barato. um joguinho de ferramentas, desses que se compram em camelôs, com uma chave de fenda, um alicate,algumas chaves de boca. um frasco com gasolina para jogar no carburador de vez em quando, um galão de água para refrescar o radiador. oh, que coisa mais primitiva, dirá você.

o.k. tenha uma pane no seu carrão eletrônico para ver o que acontece. nem tente abrir o capô. você não sabe o que tem lá dentro. cuidado, ele pode te engolir.torça para o celular estar com o sinal pleno e chame um guincho, a seguradora, o papa.

sente e espere. seu carrão só vai funcionar de novo quando conectarem um laptop nele. e prepare o talão de cheques.

meus carros não. tem carburadores, distribuidores,diafragmas, bobina e velas, tudo à vista.

sei quando piripaque é na bomba de gasolina.

sei quando é sujeira da gasolina. sei assoprar um giglê. aliás, eu sei onde fica o giglê. procure algo parecido na sua injeção eletrônica

seu carro é um emérito desconhecido sem história ou currículo. os meus tem 40 anos ou mais, já passaram por muito coisa nessa vida, e quando saíram de uma concessionária, décadas atrás, estacionaram na garagem em forma de sonho realizado.

carro fazia parte da família antigamente.

ah! mas o meu tem ar condicionado, disqueteira e controle de tração, dirá você. sim, mas você nunca terá o prazer de dirigir de vidros abertos e cotovelo para fora da janela, meu rádio toca as mesmas músicas, e não me faça rir com seu controle de tração.

quantas vezes, ele foi necessário?

além do mais existe um negócio chamado prazer. prazer de ter algo que lhe é caro e precioso, mesmo que não valha muita coisa. carros iguais aos seus todo mundo tem. vejo aos milhares todos os dias, e nenhum deles tem a cara do dono. os meus têm.

e quando eles quebram, eu mesmo conserto. e eles me agradecem andando de novo, fazendo com que as pessoa sorriam quando passam, fazendo barulho e soltando fumaça.

não há nada como um automóvel que faça alguém sorrir.”

(flávio gomes, tem quarenta e tantos anos, sete dkws, quatro volkswagens e uma lambretta, todos fabricados entre 1958 e 1970.)

1 comment:

Antonio Stickel said...

Muito bom texto, serve para todos que não compreendem a paixão pelo antigo, robusto e ideológico!

Abs