impecável, é o meu cacete!

se o "restauro" é impecável, que faz ai o logotipo da vw no lugar do logotipo do jeg? e estes protetores do farol passando da conta nas laterais? tenha dó!

"quando eu era criança pequena lá em barbacena", a maior mentira do mundo era contada em pequenas rodas de violão - ou antes da pelada, em ruas sem calçamento e de "pedras ávidas por dedões" - onde se tentava tirar acordes dissonantes, o que era complicado para quem não saia dos três tons da jovem guarda. os mais velhos com aquele ar calhorda volta e meia repetiam(uma mentira repetida acaba mesmo se tornando verdade? nem sempre, como se verá, apesar do "principio goebbeliano" que a originou) que a maior mentira do mundo era : "só vou botar a cabecinha", e a maioria de nós voava longe, enquanto eles riam às bandeiras despregadas.

o tempo passou. os mais velhos cada vez mais calhordas. e os mais jovens; uns se tornaram, outros não, e muitos, tento ser otimista, ainda estão em dúvida - deixo ao leitor determinar o estágio em que me encontro. mas a questão da maior mentira do mundo permanece impune.

crescido, deixei os acordes de lado e desenvolvi outras habilidades que me levaram a outras profissões que,of course, também não escapam dos calhordas. ainda que se contasse a primeira maior mentira do mundo, havia uma segunda: salário de publicitário. e desta, não me safei.

mas este post, ao contrário do que possa parecer, não é sobre calhordas. mas sim sobre calhordices, as pequenas, aquelas praticadas principalmente em anúncios de venda de automóveis. se a maior mentira do mundo foi destronada - a segunda também - apareceram várias candidatas a ocupar o posto - as falas e promessas de políticos não contam porque estas, ao que parece(e porque deixamos) já se tornaram hors concours (apesar da repetição e mesmice do bordão) refiro-me as maiores mentiras do mundo em pequenos anúncios classificados, sejam ainda em jornais e ou(o mesmo discurso) nos sites, que repetidamente são useiras e vezeiras em tentar nos atrair para esparrelas.

o ser humano tem uma vocação inata para acreditar no que não precisa(entre outras coisas). e como já dizia o refrão popular, para cada otário que nasce, já há dois vigaristinhas mamando. contudo, o mal do malandro também é achar que todo mundo é otário. se você passou no teste acima saiu da categoria. ou se não, como se verá abaixo, decerto tomará um pouco mais de cuidado com os impecáveis que aparecerão na sua vida(vale para os amores e as pessoas também).

e tome de " único dono"( um carro de um mal dono é pior que um de muitos bons donos, ou não ?); "carro de mulher" (sexista até dizer chega); "nunca fez trilha", "vendo para desocupar espaço", "todas as revisões feitas em concessionárias "(se você soubesse como são feitas estas revisões, corria para longe) e por aí vai. e não vou aqui desmandar a "hermenêutica" da origem de tais expressões, e como elas tem o poder de desviar a atenção ao que verdadeiramente interessa. mas só para lhe deixar com uma pulga atrás da olheira: um carro de um bom trilheiro certamente estará em melhores condições do que aquele carro que só circula no final de semana. como? pesquise e verá o porquê.

mas o que me deixa encafifado e puto mesmo, é o tal do impecável. este quase ímpar que significa: perfeito, correto, aprumado, apurado, corrigido, digno, emendado, exato, honesto, íntegro, irrepreensível, limpo, reformado, imaculável, infalível. apesar de já ter se desgastado bastante(neste caso a mentira repetida tende a não funcionar -  é a tal da entropia - e é fácil perceber o porquê) é o novo toque de midas que atrai compradores como vira-latas atraem pulgas. a diferença é o que o vira-lata não está minimamente interessado nas pulgas. mas o vendedor está doido para lhe empurrar o seu "impecável", que não sei porque me trás de volta a questão da primeira maior mentira do mundo, capiche ?

no jeg acima, anunciado por 30 pilas - não discuto o preço, o estado, nem sequer discuto o "restauro"; já abordamos aqui a diferença que não é só semântica ou sintática entre reforma e restauro -  tem como chamada principal: jipe jeg dacunha 1980,  restaurado impecável. ora, impecável é o meu cacete!. e apondo a legenda na foto acima, nada mais tenho a comentar. e portanto, repito: impecável é o caramba!.


p.s.: se você ainda não atinou para o fora das medidas do protetor de faróis, eis um quase impecável que não se atribui a isto mas nem por isto.

in tempo: fica também o recado. há uma certa aura de que quem vende carros "vintage" é boa gente e que patati-patatá(seria ótimo, já bastam os desserviços) mas nem tanto ao mar, nem tanto a terra. já comprei carro de agência- que não estava impecável - mas estava bom, quase muito bom. mas mesmo assim o vendedor não resistiu e jurou de pés juntos que era carro de mulher, carro de único dono. mentira, foi de três(só um otário em algo grau não constataria nos documentos e na nota fiscal que ainda possuia ) mas ainda assim ou por isso mesmo, estava bom. como se vê, a "maior mentira do mundo" junto das menores, aquelas do dia a dia, acaba por ser inofensiva. a falta de caráter nas pequenas coisas é que mina o restauro, incluindo o da dignidade também.