Um colecionador, pai orgulhoso de sua relíquia, que como todo pai orgulhoso alardeava a todos o quão belo é seu filho motorizado, o quão confiável, confortável e original. Um dia esse filho ganhou um irmãozinho, um veículo único dono, nunca restaurado e o pai dedicado começou a preparar a restauração do novo filho. E foi com grande surpresa que ele recebeu pedidos de alguns amigos para que mantivesse aquela raridade como estava, original pois se restaurasse, o máximo que conseguiria seria um veículo autêntico. Autêntico ?
Original é uma coisa, autêntico é outra. Ratificada em 2012 e em discussão a mais de uma década, a Carta de Turim (FIVA – Fédération Internationale des Véhicules Anciens) segue o padrão da UNESCO e define as diretrizes de preservação e restauração dos veículos antigos. Ela começa distinguindo e definindo os vários processos. Conservação é o processo destinado a preservar a condição de um veículo ou objeto. A conservação previne, ou pelo menos retarda, a deterioração contínua do objeto. Esses processos normalmente não são percebidos à primeira vista (lubrificação, aplicação de anti-ferrugens, hidratação do couro, etc).
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Restauração é o processo destinado a substituir peças ou partes faltantes com o propósito de recuperar um estado anterior do objeto e/ou reforça-lo estruturalmente em comparação ao seu estado antes da intervenção. É cuidadosa com o “original histórico” e procurará preservar o máximo possível do material original e quando for necessário a troca de alguma peça, o fará mantendo a harmonia com o resto do veículo, permitindo em uma inspeção mais acurada a distinção entre o que é original do veículo e o que foi substituído.Reparação significa a adaptação, recondicionamento, ou substituição de componentes, faltantes ou existentes. Reparação destina-se principalmente a melhorar a integridade mecânica ou adapta-la ao uso pretendido. A reparação não se preocupa com a condição histórica dos componentes, materiais ou técnicas de trabalho originais; a única preocupação é tornar o objeto operativo novamente.
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Renovação se concentra em uma imitação mais ou menos exata de uma aparência “como novo”. Ela tenta eliminar todo vestígio da idade real do veículo e sua história, as expensas da substancia histórica do veículo. Veículos ou objetos alterados dessa maneira correm o risco de perder seu valor como fonte de história cultural.
Hidratou os bancos de couro que vieram de fábrica com seu veículo ? Conservação. Se usou algum tipo de restaurador que preenche as rachaduras, é restauração. Trocou o forro dos bancos e usou o mesmo tipo e cor de couro que já estava lá, é reparação. Usou um quase igual, de material visivelmente semelhante ou um couro de tom/espessura/tipo diferente ? Renovação.
Seguindo essas definições, a Carta de Turim recomenda marcações nas peças e áreas que sofrerem intervenções, para que os pesquisadores possam diferenciar o que é autêntico (pertencente ao veículo por toda sua história) do que foi adicionado posteriormente. NB é a marca para reconstruído, a peça nova que segue o melhor possível as especificações da original, tanto em termos de material, forma e fabricação. Um bom exemplo são os carburadores de Fusca ainda em produção e disponíveis no mercado, ou uma peça que um torneiro copie do original. FR deve ser usado na fabricação livre, peças com a mesma função e uso da original, mas sem ser uma cópia. CS são os reforços adicionados para conservação o original, como reforços em carrocerias ou chassis  corroídos ou quebrados.
É de notar que tudo gira em volta da história do veículo. Derek Drummond, presidente da Comissão Técnica da FIVA, definiu autêntico como o real e original, ou seja, a peça que realmente “viveu” a história. Mas que história ? Ao longo do tempo tudo se modifica, as vezes muito, as vezes pouco. A maioria dos prédios históricos são restaurados para voltarem a ser como em seu momento de glória, como a Fontana di Trevi, outros, são mantidos como ruínas, como o Coliseu de Roma (vá fuçar no google para ver como é)*
OS veículos também são classificados pela FIVA de acordo com seu estado e a história que representam. O veículo Standard é aquele que está como saiu de fábrica, preferencialmente com peças autênticas. Os Modificados no Período sofreram modificações no seu período normal de uso, definido pela FIVA em 10 anos. Se a modificação for muito extensa, o nome do responsável é adicionado após o do fabricante, como no caso das Fiat-Abarth e Chevrolet-Envemo (Opala,  Chevtte Targa, etc). Já me perguntaram como saber que a modificação é do período e realmente não é complicado, apesar de muitas vezes ser trabalhoso. Documentação ! Do mesmo modo que um veículo Standard (original) não deve ser atestado de memória, o Modificado no Período também precisa de documentação, propagandas, notas fiscais, matérias em revistas, fotos antigas…
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Reprodução e réplicas são fáceis de definir. Algumas são de extrema fidelidade e qualidade como as da Sbarro (http://sbarro.perso.neuf.fr) , outras procuram soluções técnicas para baratear o produto. A reprodução difere da réplica por seguir o projeto original. Bons exemplos de Modificados Fora do Período são as transformações feitas recentemente em carros para que se pareçam com os de corrida de épocas passadas. São como réplicas de veículos modificados antigamente, não devendo usar tecnologia moderna, ou seja, nessa categoria a FIVA não aceitará as réplicas de Shelby Cobra como motores injetados e freios ABS. A FIVA também possui uma categoria de Exceções, com modificações e adaptações que ela normalmente desencoraja, mas que para alguns veículos são indispensáveis para que continuem rodando e preservem sua existência.
Original é a objeto arqueológico, aquele que realmente viveu a história e carrega suas marcas, autêntico é aquele objeto que pertence à época, mas não acompanhou o veículo através de sua história. É fácil de entender: minha bomba de gasolina é a que veio de fábrica com meu carro, por tanto, original, já o retrovisor (tipo Lola) foi trocado pelo primeiro dono no primeiro ano de uso do carro, é uma peça autêntica e o para-choques traseiro foi refeito, é uma peça reconstruída, seguindo o molde e material da peça original.
 * grifo do voudejeg.