Friday, January 27, 2006

jegin ou não há caminho. o caminho se faz ao andar.

"garotos são garôtos. são sempre os mesmos sonhos de quantidade e tamanho". é o que diz a letra do leoni para a música garotos e garotas.

garotos gostam de garotas e de carros. não necessáriamente nesta ordem. há quem diga que alguns trazem manchas de graxa já desde o berço e nem por isso são filhos de mecânicos. pelo menos oficialmente, né? hé,hé. outros, pegam mais tarde a carona dos roxos nas pernas e das unhas invariavelmente pretas, misto de calos de sangue e sujeira, apesar das pastas apropriadas para limpeza. isso sempre deu rolo com mãe e namorada.

e assim as marcas das primeiras batidas dos carrinhos de madeira e lata nas canelas da minha geração, seriam a ignição de tantas cicatrizes da quilometragem da vida interrompida as vezes violentamente, as vezes por e com histórias para contar. algumas muito tristes. outras contadas e recontadas sempre com muita alegria em volta. acabam por ser mais importantes, as cicatrizes, e mostradas como mais orgulho, do que os retratos de família onde invariavelmente aparecemos com ar pra lá de mecânico de primeira viagem, mais vexame impossível

no fundo, a graxa desta paixão gravita de começo ali já pelos 3, 4 anos. mal saídos da primeira infância. aumenta o ronco a partir dos seis e passa a usar o combustível aditivado com as emoções do sexo na adolescência. e aí, pronto: turbinada a vida, os garotos nunca mais desligam o motor. garotas cometem por demais o erro mecânico de quererem separar garotos de suas máquinas. não tem jeito, elas sempre estarão em segundo lugar.

na contra-mão, isso não quer dizer que não existam garôtas - marias-gasolina aqui não entram - que gostem de carros. existem sim. poucas e boas. mas, no geral, não são boas no sentido que você está pensando. a carroceria costuma deixar a desejar. e a suspensão, bem... não absorve tão bem os solavancos nos buracos.

mas o que é gostar de carros? já não bastasse o gostar ser algo tão complexo como um motor antigo com tantas peças pra desencaixar, encaixar ?

assim, como existem os que gostam de vela e motores no mar, detestando-se uns aos outros - quantidade e tamanho, lembram ? - assim como existem os que amam a música, e outros que amam equipamentos, garotos gostam de carros pelas mais variadas razões. sempre ligadas à performance, até mesmo as esquisitas. de um jeito ou de outro, que é o resultado exibido da equação quantidade e tamanho.

carros novos, antigos, esquisitos, raridades. há quem goste por razões mecânicas ou técnicas. outros por design e, uma parcela, geralmente provida de paixão incomensurável e incompreensível, que gosta de um carro porque em determinado momento de sua vida ele o marcou para sempre, vai lá se saber o porquê(também não é muito delicado insistir, você pode levar com uma chave de bôca no cocoruto).

alguns perseguem um carro a vida inteira, numa espécie de trôco poético, já que somos por eles perseguidos também por uma vida inteira. e deles não costumamos escapar, nem mesmo quando estamos na faixa que deveria ser um dos melhores postos de observação.

ou porque o avô ou pai possuiam um exemplar, ou porque vimos num filme, ah! os speedster do james dean e os citroem " arrastadeiras" dos filmes de gangster, vomitando metralhadoras por todas as portas abertas para a frente, a dobrar esquinas na velocidade do cinema, sem derrapar um centímetro sequer, e impecáveis em seus pretos soturnos, brilhos a condizer com as brilhantinas dos maus - os bons sempre ficam despenteados.

haviam também sonhos tão bonitos quanto reluzentes, excesso de cromados, faróis e espelhos. e aí temos colecionadores, aficcionados, e também gente de periferia que senta num carrinho pra lá de velho com a nobreza de quem pilota um jaguar. esteja ele originalmente conservado, ou carcomido pela ferrugem de tantas derrotas,estrada da vida afora. não duvide nunca do amor destes caras pelos estragos daquelas carrocerias. os brutos também amam sim. e muitas vezes ambas as carcaças não saberiam viver umas sem as outras.

a faixa do gostar de carros do voudejeg pertence àquela que gosta de um carro simplesmente porque ninguém gosta dele. porque ele é como um cachorro sarnento, que ninguém imagina ter diamantes nos olhos que irão brilhar assim que você começar a dar um trato nele. que gosta do jeg ou do seu exemplar, porque ele é feio como a menina feia do leno e liliam ou a menina da cadeira de rodas do fernando mendes— não está na moda agora o revival e o endeusamento da nossa música brega e da jovem guarda?— e sim. claro o movimento retrô que demarca o design dos carros de hoje, com os motores do amanhã mas o desenho de ontem.

para mim o jeg, que nem é tão feio assim, tem sim personalidade marcante. e é seguro de sí, o que comprova diariamente infernizado pelas crianças que o vaiam sem exceção. sejam de escolas públicas ou a bordo de transportes escolares, espécie de igualdade muito bem ensaiada para lhe atocharem adjetivos que não vou adesivar na carroceria nem para conseguir a paz mundial. mas que desde já, digo-lhes, me dá vontade de ressucitar herodes.

ao mesmo tempo o aspecto do jeg, eu também não ajudo muito, faz um filtro de quem é quem para mim. sim, um carro não só define quem você é como lhe traz definições sobre o carona de imediato, e de quem se aproxima e com que intenções. mais ou menos como quando um moto-boy encostou, levantou a viseira, perguntou o ano, no que respondi ele soltou um grito de guerra como se fosse buzina a ar comprimido, ao tempo que empinava a moto concomitantemte com o levantar do polegar no que inferi que era um elogio com que retribuimos, eu e o jeg, com um bip-bip de timidez levantada e sorriso para mais uma dezena de quilômetros.

então você já sabe: o voudejeg, vai contar um história - e histórias dentro da história - que tanto pode ser igual a sua, ainda que seu carro seja outro, como pegar um atalho totalmente novo pra você. nestes dias de engarrafamentos citadinos constantes, fruto de tantas histórias pessoais mal resolvidas. talvez faça-lhe bem, como faz a mim, rumar à vida que corre paralela aquela que fingimos conhecer, seguindo por alternativas que desembocam em caminhos onde a gente nunca sabe direito onde vai dar.

mesmo apesar de saber que a vida, ao fim e ao cabo, é uma estrada que mais cedo ou mais tarde acaba sem saída. não importa a potência do seu motor da fé.

onde o destino nos espreita para nos bater a biela ? ao fim da curva pra lá de sinuosa? no tôpo da subida mais íngreme? na falta de freios na ladeira mas escorregadia? ou no fim da reta que parece sem fim ? para mim isso nunca foi motivo para deixar de abastecer o tanque. afinal, não deveria ser esta a essência da existência ? seguir em frente, simplesmente pelo prazer de estar vivo e enchendo os pulmões de ar, respirando a beleza das coisas que se movem, sem necessariamente pisar fundo no acelerador e sem ficar lamentando os quilômetros perdidos ?

espero não lhe ter estragado a viagem até aqui, antes mesmo de começar. mas eu tinha de lhe dizer como sou como condutor de mim mesmo.
você pode dar meia volta, se quiser. o asfalto ainda é logo alí.
boa viagem de volta a sua estrada, segura ?
eu continuo em frente. e voudejeg. mesmo que o marcador de combustível esteja pra lá de avariado.



* o voudejeg é atualizado semanalmente aos domingos.

3 comments:

Alex Camilo said...

Cara, e o que dizer de amantes de carros da minha espécie, que aos 31 anos não tem carta de motorista nem tão pouco carro? Tenho um carro de sonho na cabeça, um Mustang GT-3000 cobra 1970 preto, e não quero dirigir carro que não seja ele. Quem sabe um dia né?

celso muniz said...

que joão pessoa dá sorte, vai entender porque se ler a continuação da novela.

Unknown said...

No meu caso, lembro-me aos 15 anos, no ocaso da década de 80, de atravessar uma rua alagada em pleno bairro onde eu morava, com um Jeep 1957(Autêntico Willys)com a agua banhando (por cima!!) todo o capô. A valentia daquele carro tosco, feio e desconfortável marcou minhas retinas até hoje. Sou o que sou pelo exemplo daquele Jeep da minha adolescência. Tenho dito. Parabéns pelo texto. Era tudo o que eu queria dizer mais uns 10%