Sunday, March 26, 2006

hoje, o fim da novela. mas faremos remakes na restauração

perdi a conta de quantas vezes passei pela frente do ferro velho de peças de kombi. o jeg continuava lá. com o inverno aquilo me batia nos ossos. sabia que aquela chuva iria lhe fazer estragos. tudo bem que o jeg tem a chapa de aço bicromatizada. mas estava sofrendo um castigo daqueles. imóvel, vendo a vida passar estrada a frente e pelo jeito nem para descolar os freios o estavam manobrando.

teria de sufocar a minha vontade um pouco mais. e fiz isso por mais uns 45 dias. até que não aguentei e lá fui eu de novo. repetindo o ritual. estacionar, atravessar a pista com cuidado. as voltas em torno e a pergunta com ânsia de menino: e agora quanto está pedindo pelo jeg(pensei que iria ouvir 2.800, consorte 2.500). mas foi estampido a queima-roupa. 3.000 e cara de poucos amigos. acho que ele descobriu o jogo.


de volta para estrada, jeg pelo retrovisor. fazendo as contas. 3.000, não tá mal. olha que o inverno vai acabar e o sol favorece a venda.
dois dias e meio pensando. vou lá, afinal, nunca fiz proposta, só perguntei. na bucha digo: 2.000 e quem sabe fica por 2.500.
repetindo o ritual, estacionar, atravessar a rua, dar a volta em torno, e, portas fechadas do ferro velho. que frustação. passei a mão no bichinho, sentei no banco do motorista, mesmo molhando a bunda, e girei-lhe o volante com cuidado, quase como um carinho. onde um papel, onde? achei. caneta, droga, onde está a caneta, achei! sacramentei: meu caro tenho muito interesse em comprar o jeg. mas só tenho 2.000 reais. se aceitar a proposta, ligue-me e deixei o telefone. levei um tempão para decicir onde seria o melhor lugar para pendurar o bilhete.dois dias e nada de telefonema. ou não acho o bilhete ou então deu de ombros, pensei. mais um dia e o telefone toca. sou o rapaz do ferro velho. podemos conversar ? o super homem não chegaria mais rápido.

— assim você quer me fuder, começou o diálogo. 2000? não dá. 2.500. (e não é que eu resolvi endurecer? ) — não tenho. é 2000, e já estou começando a gastar o dinheiro. — mas eu preciso dos 2.500 para terminar de construir a minha casa. — é pena eu só tenho 2.000, disse-lhe, já retomando o caminho para ir embora.

o tempo dos cinco passos que eu dei até ele me chamar, demoraram o inverso, acho, daqueles passos que os caras dão na hora que vão cumprir a pena de morte. não era para pensar assim, mas foi o que me veio na cabeça. desta vez eu ia atravessar a pista sem prestar atenção.— vamos fazer o seguinte, disse-me ele: 2.200 e eu ainda te dou uns aros 15 da merces classe A para você substituir os 13 que ai estão.

— fiz beicinho, sei não. depois de tudo que passei, vocês acham que ia amolecer assim num sim desabado? — deixa eu ver as rodas. estão empenadas, olhe lá viu ? e marcamos para o dia seguinte no detran e no cartório.

rapidíssimo no detran, na vedade ciretran, extintor vencido, 5 pilas, para o deixa disso, vistoria feita, chegamos ao cartório: na hora de apresentar o recibo, tava lá ele havia comprado o carro por também 2.200 reais e tentou vender-me por 4.000.

— empatamos, não lhe disse. mas fiquei pensando. sacrificou o bicho ao sol e chuva sem necessidade. talvez na primeira leva eu teria comprado por 3.000, sob o impacto da emoção de ter-lhe encontrado.

paguei, não conversei, despedi-me e voltei ao ciretran. meia hora depois documentos na mão. cinco minutos depois, extintor novo, na lei, e o jeg atravessando a feira de uma cidade com clima de cidade do interior. de um lado a outro, os primeiros elogios: " eita carro feio da mulesta". nenhum carro do mundo naquele momento me faria mais feliz.

as grandes emoções da vida não tem preço. quer dizer, tem. 2.200 reais, menos do que quatro pneus para qualquer 4x4 desses de boutique. mesmo antes de iniciar-se a restauração o jeg provaria o quanto ele valia e o quanto valeu a minha paixão, obstinação e já agora dedicação.

vamos ver quantas histórias vamos viver quando as tiver-mos para aqui contar.

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